O
aumento da pressão de grupos religiosos aliados e a redução das
campanhas de prevenção junto às populações de maior risco são a maior
ameaça ao programa brasileiro anti-Aids, até hoje considerado um dos
mais bem-sucedidos do mundo. A opinião é do coordenador de Aids/HIV da
Opas (Organização Panamericana da Saúde), Massimo Ghidinelli.
“O caso parece ser que, nos últimos
anos, grupos religiosos ficaram mais fortes e há uma menor intensidade
na maneira pela qual o programa lida com questões de homofobia e
sexualidade”, disse Ghidinelli à BBC Brasil, na Conferência
Internacional da Aids, realizada nesta semana em Washington, nos Estados
Unidos.
“O programa brasileiro certamente
precisa mudar e se adaptar rapidamente a esses novos desafios da
epidemia e manter um grande enfoque nas populações vulneráveis, o que
exigirá um trabalho muito forte de promoção de políticas”, acrescentou.
Os últimos números do mais recente
Boletim Epidemiológico publicado pelo Ministério da Saúde apontam para
um aumento dos casos de contaminação pelo HIV em todas as regiões do
país, com exceção da região Sudeste, nos últimos dez anos.
Para especialistas ouvidos pela BBC Brasil, tal crescimento está ligado, entre outro fatores, ao comportamento da população.
Segundo eles, apesar de o programa
brasileiro continuar a ser um referencial no âmbito global, seu sucesso
pode tê-lo tornado “uma faca de dois gumes”.
Isso porque, como a síndrome passou a
ter um caráter crônico e os casos de morte se tornaram mais raros, as
pessoas ficaram menos cautelosas em relação aos mecanismos de prevenção à
doença.
REPAGINAÇÃO
Segundo os especialistas, as vítimas
desse novo cenário epidêmico são os jovens, particularmente do sexo
feminino e homossexuais.
Por essa razão, durante a conferência,
representantes de ONGs chamaram a atenção para a necessidade de o
Programa Nacional de DTS/Aids brasileiro se adaptar à nova realidade da
epidemia no país.
Eles também se queixaram de que, nos
últimos anos, o enfoque nas populações chave diminuiu e houve
comprometimentos políticos com o lobby de grupos conservadores que
passaram a ser mais atuantes.
“O senso comum é sempre muito
conservador, mas nossa obrigação é tomar decisões com base em
evidência”, afirmou à BBC Brasil Dirceu Greco, diretor do departamento
de DST, Aids e Hepatites Virais.
NÚMEROS
Apesar das críticas, o programa de
prevenção a Aids no Brasil ainda é considerado um sucesso entre os
especialistas. Prova disso foi que, nos últimos 12 anos, a mortalidade
em decorrência da Aids no Brasil apresentou uma queda de 17%.
Outra grande conquista foi a drástica
diminuição em 55% dos casos de infecção no grupo de crianças menores de
cinco anos. Em 2000 foram registrados 863 casos de crianças pequenas com
Aids. Em 2011, apenas 482 casos foram registrados. Isso comprova a
eficácia da prevenção de transmissão vertical, de mãe para filho.
No entanto, alguns profissionais de saúde afirmam que isso não é suficiente.
“Não adianta nada (a prevenção de
transmissão vertical) se, na adolescência, o jovem vai ser contaminado”,
diz Edmundo Cardoso, chefe do Grupo de Atendimento à Aids Pediátrica
(GAAP) do Hospital Conceição, de Porto Alegre.
É por causa desse argumento que
especialistas estrangeiros dizem que a abordagem do programa de Aids/HIV
do país deve assumir um teor mais sociológico.
“A epidemia não é um problema puramente
médico”, disse à BBC Brasil, Marco Vitoria, médico assessor do programa
de HIV-Aids da Organização Mundial da Saúde (OMS) de Genebra.
SOLUÇÕES
Entre as soluções que devem ser
implementadas ao programa brasileiro de combate a Aids, especialistas
sugerem um maior envolvimento da sociedade civil, o investimento em
campanhas de conscientização com respeito a práticas sexuais seguras e o
maior envolvimento da mídia, focando grupos específicos, como
adolescentes e homossexuais.
Outra abordagem importante é a
realização de mais pesquisas multidisciplinares que estudem o
comportamento dos grupos mais vulneráveis.
No entanto, os representantes das
principais organizações internacionais de saúde ainda dizem que, mesmo
com os novos desafios, o Brasil ainda conta com um dos melhores
programas de combate à Aids do mundo.
“A região da América Latina é a que tem
maior cobertura em termos de tratamento, e o Brasil e a Argentina, em
particular, continuam sendo exemplos para a região e o mundo”, disse
Vitoria.
Fonte: Folha de S. Paulo
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