segunda-feira, 30 de julho de 2012

Combate à Aids no Brasil perdeu intensidade, diz especialista

O aumento da pressão de grupos religiosos aliados e a redução das campanhas de prevenção junto às populações de maior risco são a maior ameaça ao programa brasileiro anti-Aids, até hoje considerado um dos mais bem-sucedidos do mundo. A opinião é do coordenador de Aids/HIV da Opas (Organização Panamericana da Saúde), Massimo Ghidinelli.
“O caso parece ser que, nos últimos anos, grupos religiosos ficaram mais fortes e há uma menor intensidade na maneira pela qual o programa lida com questões de homofobia e sexualidade”, disse Ghidinelli à BBC Brasil, na Conferência Internacional da Aids, realizada nesta semana em Washington, nos Estados Unidos.
“O programa brasileiro certamente precisa mudar e se adaptar rapidamente a esses novos desafios da epidemia e manter um grande enfoque nas populações vulneráveis, o que exigirá um trabalho muito forte de promoção de políticas”, acrescentou.
Os últimos números do mais recente Boletim Epidemiológico publicado pelo Ministério da Saúde apontam para um aumento dos casos de contaminação pelo HIV em todas as regiões do país, com exceção da região Sudeste, nos últimos dez anos.
Para especialistas ouvidos pela BBC Brasil, tal crescimento está ligado, entre outro fatores, ao comportamento da população.
Segundo eles, apesar de o programa brasileiro continuar a ser um referencial no âmbito global, seu sucesso pode tê-lo tornado “uma faca de dois gumes”.
Isso porque, como a síndrome passou a ter um caráter crônico e os casos de morte se tornaram mais raros, as pessoas ficaram menos cautelosas em relação aos mecanismos de prevenção à doença.
REPAGINAÇÃO
Segundo os especialistas, as vítimas desse novo cenário epidêmico são os jovens, particularmente do sexo feminino e homossexuais.
Por essa razão, durante a conferência, representantes de ONGs chamaram a atenção para a necessidade de o Programa Nacional de DTS/Aids brasileiro se adaptar à nova realidade da epidemia no país.
Eles também se queixaram de que, nos últimos anos, o enfoque nas populações chave diminuiu e houve comprometimentos políticos com o lobby de grupos conservadores que passaram a ser mais atuantes.
“O senso comum é sempre muito conservador, mas nossa obrigação é tomar decisões com base em evidência”, afirmou à BBC Brasil Dirceu Greco, diretor do departamento de DST, Aids e Hepatites Virais.
NÚMEROS
Apesar das críticas, o programa de prevenção a Aids no Brasil ainda é considerado um sucesso entre os especialistas. Prova disso foi que, nos últimos 12 anos, a mortalidade em decorrência da Aids no Brasil apresentou uma queda de 17%.
Outra grande conquista foi a drástica diminuição em 55% dos casos de infecção no grupo de crianças menores de cinco anos. Em 2000 foram registrados 863 casos de crianças pequenas com Aids. Em 2011, apenas 482 casos foram registrados. Isso comprova a eficácia da prevenção de transmissão vertical, de mãe para filho.
No entanto, alguns profissionais de saúde afirmam que isso não é suficiente.
“Não adianta nada (a prevenção de transmissão vertical) se, na adolescência, o jovem vai ser contaminado”, diz Edmundo Cardoso, chefe do Grupo de Atendimento à Aids Pediátrica (GAAP) do Hospital Conceição, de Porto Alegre.
É por causa desse argumento que especialistas estrangeiros dizem que a abordagem do programa de Aids/HIV do país deve assumir um teor mais sociológico.
“A epidemia não é um problema puramente médico”, disse à BBC Brasil, Marco Vitoria, médico assessor do programa de HIV-Aids da Organização Mundial da Saúde (OMS) de Genebra.
SOLUÇÕES
Entre as soluções que devem ser implementadas ao programa brasileiro de combate a Aids, especialistas sugerem um maior envolvimento da sociedade civil, o investimento em campanhas de conscientização com respeito a práticas sexuais seguras e o maior envolvimento da mídia, focando grupos específicos, como adolescentes e homossexuais.
Outra abordagem importante é a realização de mais pesquisas multidisciplinares que estudem o comportamento dos grupos mais vulneráveis.
No entanto, os representantes das principais organizações internacionais de saúde ainda dizem que, mesmo com os novos desafios, o Brasil ainda conta com um dos melhores programas de combate à Aids do mundo.
“A região da América Latina é a que tem maior cobertura em termos de tratamento, e o Brasil e a Argentina, em particular, continuam sendo exemplos para a região e o mundo”, disse Vitoria.

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